SACERDOTISA CORNELEND

Capítulo 11 - A DEUSA NA ÍNDIA

Capítulo 11

A DEUSA NA ÍNDIA


Quando os bárbaros senhores da guerra da área da Ucrânia (ou seja, os Proto-Indo-Europeus ou "Kurgans") começaram a invadiam a Europa e o Oriente Médio, também lançaram ataques a leste. Estes ataques tiveram início por volta de 2300 a. C. e acabariam por chegar até o subcontinente indiano.

Na primeira onda, os Kurgans penetraram a Ásia central e o Irão moderno. Muito pouco se sabe sobre a cultura indígena que existiu anteriormente. Após a conquista Kurgan, entre 2300-1700 a. C., desenvolveu-se uma nova sub-cultura, que é conhecida como Proto-Indo-Iraniana.

 

Imagem 73 - Compreendido a norte-este do mar Cáspio e o mar de Aral, mapa da cultura Sintashta-Petrovka (vermelho) e a sua expansão para a cultura Andronovo (laranja) durante o segundo milénio a. C., mostrando a sobreposição com o Complexo Arqueológico Bactria-Margiana (verde) no sul. A localização das primeiras carruagens é mostrada a magenta.


A principal característica distintiva dessa subcultura era a linguagem; uma combinação do Proto-Indo-Europeu e dos povos indígenas... além desse detalhe em particular, era o mesmo tipo de sociedade patriarcal Kurgan com a qual estamos agora bastante familiarizados.

Por volta de 1700 a. C., começou a segunda onda de expansão... não a partir da terra natal dos Kurgan, mas do território conquistado no Irão. É por vezes referida como a migração Indo-Ariana, sendo o Ariano, o nome do povo Proto-Indo-Iraniano, na sua própria língua. Essa segunda onda de expansão para o leste entrou na Índia a partir do noroeste, na área do Vale do Indo, que agora faz parte do actual Paquistão.

Os assentamentos no Vale do Indo tinham-se iniciado em 7000 a. C., e eram aproximadamente equivalentes aos que foram encontrados no Oriente Próximo do Neolítico. Por volta de 3300 a. C., existiam grandes cidades numerosas, com muitos recursos técnicos avançados, incluindo sistemas de drenagem de água e esgotos, poços, embarcações e docas para a construção naval. Não há evidência de qualquer distinção da classe social ou do género... todos as casas eram muito semelhantes, e os bens encontrados com mulheres eram de valor igual aos que foram encontrados nos homens. Os utensílios diários e peças pessoais, como cerâmica e jóias, eram artísticos e decorados de forma bela e, a partir do grande número de figuras femininas que foram encontradas, os arqueólogos especulam que provavelmente as pessoas adoravam uma Deusa-Mãe de algum tipo.

 

Imagem 74 - Civilização do Vale do Indo, período Harappan maduro (2600-1900 a. C.).

 

Imagem 75 - Figura feminina, possivelmente uma Deusa da fertilidade, período Harappan, 2500–1900 a. C.


Imagem 76 - Estátua do conhecido "Rei-Sacerdote", Mohenjo-daro, período Harappan tardio, Museu Nacional, Karachi, Paquistão.

 

O seu modo de vida pacífico, no entanto, estava prestes a chegar a um fim trágico. Tendo início por volta de 1700 a. C., os invasores Kurgan fortemente armados, a cavalo e em carruagens, entraram na área. O grande número de cadáveres não enterrados encontrados nas cidades como Mohenjo-daro (literalmente, "monte dos mortos"), testemunham uma violenta conquista militar. Por volta de 1500 a. C., todas as cidades da região foram abandonadas. A população (ou o que restou dela) começou uma imensa migração para leste. Isso daria-lhes um pouco de tempo, mas no final, os Kurgans seguiriam. Em última análise, como na Europa e no Oriente Médio, a Índia caiu sob o domínio Kurgan, e as antigas culturas da Deusa foram forçadas a adoptar uma nova ordem social e religiosa.

Assim como fizeram no mundo ocidental, os Kurgans instalaram o seu deus-guerreiro como divindade principal nas terras conquistadas. Os primeiros registos escritos que temos da Índia são os Vedas. Estes são textos religiosos, datados cerca de 1500 a. C., e foram originalmente escritos em sânscrito, que é uma língua Indo-Ariana. Eles, portanto, fornecem-nos uma excelente janela para as crenças religiosas imediatamente após a invasão Kurgan, do ponto de vista dos próprios Kurgans. Como poderíamos esperar, a divindade é agora Indra, um deus da guerra. Ele é referido no Rigveda como o "poderoso", sob cujo controle estão todos os cavalos e carruagens. Mais ainda, ele é a divindade central no ritual do soma. Soma é uma bebida tóxica considerada sagrada pelos Indo-Arianos.

O período Védico durou aproximadamente de 1500 a 500 a. C., ficou caracterizado pela institucionalização da cultura Indo-Ariana. Durante esse tempo, foi estabelecido um sistema de classes, os remanescentes dos quais ainda existem hoje. Esse sistema foi proclamado num texto religioso, escrito em sânscrito Indo-Ariano, conhecido como Manusmriti. Aparentemente, pretendia-se santificar a dominação Kurgan e manter a pureza das suas linhagens sanguíneas à medida que governavam uma nação com uma população tão grande. Não é de surpreender que até hoje, os membros das classes superiores indianas tenham uma porcentagem muito maior no ADN do haplogrupo R1a Kurgan... por exemplo, 72% dos Bramanes de Bengala possuem esse tipo de ADN.

O período Védico é considerado como o tempo de origem do Hinduísmo, que em certo sentido está correcto, já que o Hinduísmo tradicional foi baseado nos primeiros textos em sânscrito daquele período... no entanto, deve-se notar que estes textos não são produtos naturais da Índia. Pelo contrário, são representativos do sistema de cultura e crenças Indo-Arianas (ou seja, Kurgan), que foram impostas aos povos indígenas. 

 

Imagem 77 - AUM (OM) grafia estilizada da escrita Devanagari, usada como um símbolo religioso no Hinduísmo.

 
Como podemos ver, a invasão Kurgan teve inicialmente um efeito similar sobre a religião na Índia, assim como nas áreas ocidentais. O papel simples e universal do arquétipo da Deusa-Mãe chegou ao fim, e os deuses da guerra Kurgan, colocados acima dela. Como era de se esperar, durante a confusão que se seguiu, surgiram muitas novas divindades... a maioria das quais com vários características e qualidades culturalmente misturadas. Isto ainda é evidente em algumas seitas do Hinduísmo moderno de hoje.

O período Védico clássico durou cerca de 500 a. C., quando outras escolas de pensamento começaram a influenciar o povo Indiano. O Budismo foi particularmente significativo... rejeitou o Bramanismo Védico, cujo o foco era alcançar a salvação após a morte, e substituiu-o pelo conceito de alcançar a libertação neste mundo, através do aumento da autoconsciência e de um modo de vida iluminado. O Budismo também foi especialmente crítico quanto à prática Védica do sacrifício de animais. 

 

Imagem 78 - Buda a ensinar as Quatro Nobres Verdades, manuscrito em sânscrito. Nalanda, Bihar, Índia. 

 

Nos séculos a diante, o Bramanismo Védico foi forçado a fazer grandes mudanças na sua doutrina e nas práticas, e absorveu muitos dos novos conceitos Budistas. Isso resultou no que hoje chamamos de Hinduísmo moderno. Felizmente, a paisagem religiosa era tal que, embora as pessoas continuassem a considerar-se Hindus, também estavam dispostas a adoptar novas ideias e a formar novas seitas religiosas, com práticas e crenças singulares. Isso permitiu que a diversidade religiosa se desenvolvesse de maneira pacífica e permitiu que a história da Deusa na Índia tivesse um resultado muito diferente do Ocidente.

No Hinduísmo moderno, ressurgiu uma seita que tinha sido suprimida durante o período védico. Chama-se Shaktismo, que significa "a doutrina da Deusa". O Shaktismo tem as suas raízes na religião da civilização do Vale do Indo, pré-Kurgan, e concentra-se inteiramente numa Grande Deusa-Mãe semelhante à que parece ter sido adorada lá.

Um dos textos mais importantes no Shaktismo é o Devi Mahatmyam (literalmente, "Glória da Deusa") escrito por volta de 400 d. C. O texto proclama a Deusa como o poder supremo do universo, e não meramente a esposa subserviente de algum deus-guerreiro Kurgan. Isso constitui uma rejeição muito significativa do dogma patriarcal Indo-Ariano e um claro renascimento das crenças anteriores.

Nas versões tântricas do Shaktismo, certas dimensões metafísicas do universo são reconhecidas... e, há também versões não-tântricas que estão mais focadas na filosofia de paz e cooperação que a Deusa inspira. O culto a Shakti é muito vibrante e diversificado, podendo assumir muitas formas. Enquanto a Deusa é conhecida por vários nomes em toda a Índia, todos eles são reconhecidos como as manifestações da mesma entidade... Adi Shakti, a força cósmica primordial da criação. 

 

Imagem 79 - Na teologia de Shakta, o feminino e o masculino são realidades interdependentes, representadas com o ícone de Ardhanarishvara, isto é, a composição andrógena do Deus Shiva e da sua consorte Shakti (mas que também pode ser chamada de Devi e Parvati).


Claramente, na Índia a Deusa sobreviveu à invasão Kurgan. Ela está viva e bem, nos corações e mentes de milhões de Indianos... cuja reputação de iluminação espiritual e um modo de vida pacífica demonstra o tipo de valores positivos que eu sei que todos compartilhamos e apreciamos. 

 

Imagem 80 - A Deusa como Durga.

 

"Das grandes civilizações antigas, o conhecimento prático das forças interiores da iluminação sobreviveram em grande escala apenas na Índia. Apenas na Índia a tradição interna da Deusa perdurou. Essa é a razão pela qual os ensinamentos da Índia são tão preciosos. Eles oferecer-nos um vislumbre do que deve ter sido a nossa antiga sabedoria Os Indianos preservaram a nossa herança perdida. Hoje, cabe a nós localizar e restaurar a tradição da Deusa viva. Seria bom começar a nossa busca na Índia, onde nem por um segundo, em toda a história da humanidade, os filhos da Deusa viva esqueceram a sua Mãe-Divina."
~ Linda Johnsen - A Deusa Viva, 1999.

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