SACERDOTISA CORNELEND

Capítulo 3 - A IDADE DO BRONZE

Capítulo 3

A IDADE DO BRONZE


A Idade do Bronze começou no Próximo e Médio Oriente, por volta de 3300 a. C., e embora a descoberta do processo de fabricação do bronze tenha sido um passo importante na evolução humana, houve outros eventos que também ocorreram nessa época e que tiveram grande significado. 

 

Imagem 18 – Mapa da difusão metalúrgica na Europa e Ásia Menor, sendo que as zonas mais escuras, são as mais antigas.

 

Sem dúvida, o evento que teve o impacto mais profundo no curso da civilização ocidental foi a invasão Kurgan, que trouxe mudanças radicais a cada aspecto da vida das culturas indígenas. Estas incluíam o estabelecimento de reinos bárbaros e violentos, cuja prosperidade se baseava na escravidão de pessoas inocentes, na guerra organizada em grande escala, e na redução da condição da mulher a mera propriedade... apoiada por um sistema de crenças religiosas, no qual, deuses bélicos e violentos masculinos encorajavam e sancionaram a tal comportamento.

O termo "Idade do Bronze" entrou em uso antes que os factos sobre a invasão Kurgan fossem conhecidos. Foi uma maneira conveniente de classificar vários sítios arqueológicos... mas à luz da consciência actual sobre a sucessão de eventos que temos, talvez os termos "pré-Kurgan" e "pós-Kurgan" fossem mais apropriados à medida que tentamos entender a nossa história.

O segundo grande marco na evolução da civilização ocidental foi a invenção dos sistemas de escrita, por volta de 3000 a. C. Os mais antigos foram os hieróglifos cuneiformes dos Egípcios e Sumérios. Isso marca o início da história escrita, que nos oferece muitas informações valiosas sobre aqueles tempos longínquos.

 

Imagem 19 - Inscrição de Xerxes. Inscrição trilíngue: Persa antigo, Babilônico e Elamita (da esquerda para a direita). Van, Turquia.

 

Neste capítulo iremos nos concentrar nos eventos da Idade do Bronze no Próximo Oriente (actual Turquia), uma vez que é a evidência mais antiga da religião da Deusa encontrada até agora. Nos capítulos posteriores, iremos discutir a história da religião da Deusa em algumas outras civilizações importantes da Idade do Bronze, incluindo os Sumérios do sul do Iraque, os Egípcios, os Minóicos na ilha de Creta, e a Civilização do Vale do Indo do Paquistão e do noroeste da Índia.

Quando a invasão Kurgan começou há aproximadamente 4000 a. C., as hordas mais adiantadas teriam passado pelo Próximo Oriente, mas porque a população destas áreas estava dispersada extensamente e por serem relativamente pobres, os Kurgans parecem tê-los ignorado, e continuaram rumo às grandes e ricas cidades (Sumérias) do sul. 

 

Imagem 20 - O desenvolvimento da cultura Kurgan de acordo com a hipótese Kurgan de Marija Gimbutas.


Após a conquista de cada área, a vida dos povos indígenas foi alterada dramaticamente, porque sua perene cultura estabelecida na Deusa foi forçada a aceitar o novo deus-guerreiro Kurgan. Isto originou uma grande confusão entre os povos indígenas, acabando por resultar em várias formas de politeísmo.

Uma vez que o conceito de múltiplas deidades foi aceite, mais e mais, estas foram criadas para servirem os propósitos que os líderes políticos da época exigissem. A Deusa passou a ocupar um mero papel secundário, muitas vezes como "cônjuge subserviente" do deus-guerreiro. No entanto, e não importando quão grande o panteão se tornasse, o deus-gerreiro permaneceu invariavelmente o líder.

No Próximo Oriente, registos que datam cerca 2400 a. C., dizem-nos que as zonas central e sul da Turquia foram ocupadas por um grupo artístico e pacífico conhecido como os Hatitas. Estes foram na realidade os povos indígenas... descendentes da cultura Neolítica que construiu cidades tão magníficas como Catal Hoyuk

 

Imagem 21 – Estatueta representando da Deusa-Mãe, c. 5750 a. C., Museu das Civilizações da Anatólia, Ancara.

 

Por volta de 2100 a. C., uma tribo de Kurgans conhecida por Hititas entrou na Turquia, vindos da Ucrânia em geral. Talvez soubessem que as cidades do sul já estavam fortemente militarizadas e fortificadas... o que significava que a Turquia, embora claramente não tão rica, fosse muito mais fácil de conquistar. Em qualquer caso, os Hititas decidiram estabelecer o seu reino na Turquia.

 

Imagem 22 – A expansão do Império Hitita (vermelho) substituíndo o Hatita, c. 1290 a. C., e as fronteiras do reino Egípcio (verde).

Os Hatitas reconheceram a superioridade militar dos Hititas, e optaram sabiamente por entregar-lhes o comando sem resistência. Por mais difícil que isso possa ter sido, poupou-lhes muitas vidas... além disso, permitiu-lhes melhor preservar a sua forma de cultuar a Deusa, assim como, transmiti-la às gerações futuras.

O nome do deus-guerreiro Hitita original não é conhecido... em contas que datam um período posterior, ele é chamado de Tarhunt, na verdade, é a tradução Hitita de Teshub, o antigo deus-guerreiro dos seus vizinhos e aliados, os Hurritas

 

Imagem 23 – Baixo-relevo monumental de Warpalawas representando o rei de Tyana (à direita) adorar Tarhunt, o deus da tempestade (à esquerda).


Os Hurritas eram mais uma tribo Kurgan que havia invadido o Próximo Oriente vários séculos antes dos Hititas. Eles controlaram a área imediatamente até ao sudeste do reino Hitita, no que hoje seria o norte do Iraque. Aparentemente, o seu deus-guerreiro, assim como o dos Hititas, foi considerado como sendo, mais ou menos, a mesma divindade.

Tarhunt era frequentemente retratado a conduzir uma carruagem, carregando um maço ou um machado de batalha... assim como os Hurritas e os próprios Hititas. 

 

Imagem 24 – Baixo-relevo do deus do tempo Hitita empunhando um raio e um machado.


Com o tempo, os Hititas absorveram e adoptaram algumas das práticas culturais e religiosas dos povos indígenas, incluindo a crença na Deusa Mãe dos Hatitas. O nome original da Deusa é desconhecido, no entanto, ela parece ter evoluído para Arinniti... a consorte de Tarhunt. 

 

Imagem 25 - Possível representação de uma deusa solar com o filho, c. século XV – XIII a. C.


Na costa ocidental da Turquia, as coisas eram significativamente diferentes, já que os povos indígenas daquela área haviam permanecido relativamente independentes. Eles possuíam uma riqueza considerável, obtida através do comércio marítimo, e isso permitiu-lhes contratar mercenários e rapidamente mobilizar grandes exércitos para autodefesa quando necessário. Portanto, a religião da Deusa reteve mais o seu carácter original nos estados ocidentais, e as suas sociedades foram tipicamente mais pacíficas e prósperas.

Com o desenrolar do segundo milénio, as nações principais da região tornaram-se mais poderosas, e desenvolveram-se rivalidades amargas. Os Gregos disputavam com os estados ocidentais da Turquia pelo domínio do comércio marítimo. Os Hititas lutavam contra os Egípcios pelo controle de Canaã, enquanto a Babilónia lutava para combater o crescente poder da Pérsia a leste. Embora ninguém na época percebesse, o palco estava montado para um conflito regional massivo que derrubaria as grandes civilizações da Idade do Bronze, destruiria centenas de cidades e vilas, e deixaria centenas de milhares de pessoas mortas. Esta seria chamada a Guerra de Tróia

 

Imagem 26 - A mais antiga representação conhecida do Cavalo de Tróia, vaso Mykonos c. 670 a. C.

 

A nome desta guerra deve-se ao facto de Tróia ter sido a capital dos estados ocidentais turcos mais poderosos, conhecido como Troad. O conflito começou por volta de 1250 a. C, quando os Hititas tomaram a ilha de Chipre por causa das suas ricas minas de cobre. Chipre, no entanto, era aliado dos estados ocidentais da Turquia, que dependiam dele para o seu próprio fornecimento de cobre... assim, eles reagiram usando a sua grande riqueza para contratar mercenários, e lançaram um ataque maciço contra os Hititas, que destruiu completamente o seu império e deixou toda a Turquia nas mãos dos Troianos.

Infelizmente, o fim do império Hitita desestabilizou toda a região o que resultou numa série de batalhas entre os Troianos e os reinos de Canaã e do Egipto. Além disso, assim que os Gregos souberam dessas batalhas, decidiram tirar proveito pelo facto que os estados ocidentais da Turquia tinham ficado relativamente indefesos, para dar um golpe nos seus rivais marítimos. Eles, portanto, lançaram um ataque surpresa contra a pátria de Tróia. Os Troianos foram apanhados de surpresa por isso, mas usando-se da sua formidável força marítima, retaliaram posteriormente, atacando e destruindo quase todas as cidades costeiras da Grécia. Eventualmente, no entanto, envolveram-se em muitas frentes, encontrando-se eles e os seus aliados em desvantagem, acabaram por ser derrotados.

No final, toda a região foi devastada. Ambos os impérios Hitita e Troiano foram literalmente varridos da face da Terra. Canaã foi reduzida a uma ruína completa. O Egipto tinha sido para sempre aleijado como uma potência mundial... enquanto a Grécia, embora tivesse sofrido danos severos, acabaria por se recuperar. 

 

Imagem 27 - Figuras de Bronze Hititas, Museu das Civilizações da Anatólia


Imagem 28 – Peças de joalharia, Museu das Civilizações da Anatólia.

 

A Guerra de Tróia marca o fim da Idade do Bronze. A maioria dos grandes metalúrgicos estavam mortos, as suas fundições foram destruídas e os seus segredos perdidos. A chamada Idade do Ferro começaria agora, com este metal bruto e feio a tomar o lugar do bronze. Além disso, a maioria das pessoas letradas, os escribas, estudiosos e professores foram mortos... e é por isso que foram encontrados poucos registos deste tempo. Até mesmo a Grécia entrou num período de completo analfabetismo, conhecido como a Idade das Trevas na Grécia, que durou quase 400 anos... na verdade, eles teriam que adoptar um alfabeto inteiramente novo, para permitir que a sua capacidade de escrita recomeçasse.

Esta consequência trágica não foi meramente o resultado da competição por recursos escassos, ou "pessoas demais num espaço muito pequeno"... pois as pessoas das culturas da Deusa, muitas vezes, tinham alta densidade populacional, mas foram capazes de viver juntos muito pacificamente. Claramente, esse comportamento auto-destrutivo foi a consequência de uma filosofia profundamente deteriorada.

Inicialmente, atacar pessoas indefesas a fim de roubá-las e escravizá-las era relativamente fácil de fazer... no entanto, uma vez que a região se tornou fortemente militarizada, tentativas furiosas de usar a violência para subjugar outras, resultou apenas numa série de guerras caras e inúteis. Aparentemente, os que estavam no comando não conseguiram entender as implicações desse padrão. Portanto, à medida que as várias nações da região se tornavam mais poderosas, os seus exércitos cresciam em tamanho, e era inevitável que um conflito desastroso ocorresse.

A filosofia de conquista e dominação violentas firmemente enraizada na adoração de deuses de guerra tirânicos e perversos, trouxeram a previsível tragédia. Pode-se imaginar o quão melhor poderia ter sido o nosso mundo agora, se uma quantidade tão grande de sangue e de riquezas não tivesse sido desperdiçadas em guerras tolas e destrutivas. 

 

Imagem 29 - Ânfora Ateniense c. 570-550 a. C., Museu Britânico, Londres.


Quando olhamos para esses eventos de 3300 anos atrás, podemos notar com tristeza que a humanidade repetiu muitas vezes os mesmos erros terríveis desde então... e, na verdade, a mesma filosofia que os levou no passado... foi o mesmo tipo de religiões do deus-guerreiro que sanciona... o mesmo que continua a afligir o nosso mundo hoje.


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